quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

DE QUEM É O MANDATO? Texto 01

De quem é o mandato?

A população daquela pequena cidade (pequena no tamanho e na mentalidade dos seus habitantes), há muito pedia ao deputado Januário Procópio para fazer-lhe uma visitinha, pelo menos pra dizer que não esquecera os votos que recebera e que o ajudara a chegar à Assembléia Legislativa.
“Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”, o convite fora aceito. Para isso, o parlamentar ensaiou um discurso daqueles que todos fazem: cheio de promessas. Finalmente chegou o grande e esperado dia. Benevides, o líder da comunidade local, prepaqrou uma recepção calorosa e um jantar pomposo. Afinal, era um deputado que estaria naquele esquecido recanto do Nordeste. Aliás, o que tem de lugares esquecidos nesse país!!!
A comitiva do parlamentar foi recebida com muitos gritos de “Viva o Deputado Januário!”. Isso deixava Benevides eufórico. Era uma demonstração de que o seu trabalho fora recompensado.
Hora do discurso. As pessoas se aglomeravam em frente ao palanque previamente preparado. Lá, no meio, escorado no cabo da enxada, Chico Véio que chegara da roça e nem fora em casa ainda, esperava ansioso para ouvir as palavras do “dotô deputado”.
No meio da euforia, uma promessa bombástica: “Prometo, pela honra dos meus filhos que durante o MEU MANDATO, nunca vou esquecer o que vocês fizeram por mim!” (gritos de “muito bem, dotô!”). O discurso prosseguiu com “toneladas” de promessas: eletrificação rural, empréstimo para compra de sementes selecionadas, construção de cisternas, etc., etc...
Ouvindo o deputado9 citar com muita veemência MEU MANDATO, Chico Véio interrompeu o discurso:
- Êpa, dotô! O sinhô dixe MEU MANDATO!? Pois eu vi um hômi dizê na televisão qui o mandato num é mais do sinhô, não! Ele dixe qui agora o mandato é do partido!...
O deputado ficou meio sem jeito. Forçou um sorriso sem graça e quando ia responder ao incômodo interlocutor, d. Margarida, uma mulata metida a estudada, interrompeu:
- Do partido, coisa nenhuma, homem! O mandato é nosso! Afinal, quem mandou o deputado lá pra cima? Foi o partido, por acaso? Fim do discurso.
Hora do jantar. Já sem apetite por causa dos acontecimentos anteriores, o deputado olhou para todos os lados e forçando um sorriso que estava longe de acontecer, falou em voz alta fitando o seu assessor com cara de poucos amigos:
- Desculpem, mas eu estou sem fome. Não sabia que teríamos um jantar tão gostoso e jantei ao sair de casa.
Foi aí que as coisas pioraram. D. Alcina, mulher de Benevides, colocou as duas mãos na cintura, fitou o deputado e mandou:
- É, né! Na hora de ganhar os votos da gente, o sinhô comeu inté angu cum preá. Agora vem cum essa de num tá cum fome!!!
Tentando amenizar a situação, Benevides se aproximou, colocou umaq das mãos no ombro do parlamentar e, puxando-o para um canto da casa, mandou:
- Deixa isso pra lá, deputado! Não liga pra eles, não! Faz de conta que não houve nada de mais! Mas, finalmente, dotô, aqui pra nós dois, de quem é mesmo o mandato?
O deputado olhou para todos os lados, colou a boca no ouvido do Benevides e baixinho para que ninguém o ouvisse desabafou:
- É da velha tua mãe, Benevides!
Deu meia-volta, chamou seus assessores e saiu apressadamente do local sem cumprimentar ninguém.

(Adalberto Claudino Pereira - 2007)

OBS.: Qualquer semelhança com fatos reais, é mera semelhança!

Nenhum comentário:

Postar um comentário