sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

O catador de latas - Texto

O Catador de Latas

PRÓLOGO

Todos os dias, às 05:00 horas da manhã, Seu Firmino saía de casa (se é que aquilo podia ser chamado de casa), e seguia o seu destino (e que destino!), em busca do “pão nosso de cada dia”.
Quem o via pelo caminho assobiando como se estivesse cheio de esperanças, nem imaginava que ali estava um simples catador de latas. Seu jeito era de muita descontração. Até parecia que, em casa, tudo ia às mil maravilhas.
Naquele dia, as coisas estavam “pra lá de Bagdá”. Não havia nada para comer e, para não ouvir os tristes murmúrios das crianças (ele tinha três filhos menores), saíra em silêncio para não acordar os guris, que foram dormir sob a força da fome.
Dona Júlia, sua mulher, apesar dos seus 25 anos, parecendo bem mais velha, era a paciência em pessoa. No casebre, poucas coisas que se pode contar: uma mesa com quatro cadeiras rústicas, duas poltronas encontradas no lixão da cidade, um fogão doado por uma vizinha que havia comprado outro mais novo, uma cama de casal e três redes para as crianças. O resto fica por conta de sua imaginação.
A HISTÓRIA
Dona Anastácia já não suportava a situação em casa. O marido era daqueles ricaços ranzinza, que, apesar da vida folgada, fazia conta de tudo: as frutas eram trancadas a sete chaves. As comidas eram controladas rigorosamente para que não houvesse “desperdícios” por parte da mulher. Empregada! Nem em sonho!
Ciente da situação, d. Anastácia aproveitava os preciosos momentos para “capar” um pouco do muito que o marido ganhava. Com o resultado da longa e paciente “operação”, ela comprava, às escondidas, tudo aquilo que pudesse guardar num lugar que não despertasse a atenção do marido.
Algumas jóias de valor incalculável eram colocadas numa simples latinha de cerveja que, à primeira vista, não tinha valor algum. Eram pedras preciosas, colares, anéis, pulseiras e alguns dólares. Ninguém, nem mesmo o marido, poderia saber da fortuna contida naquela velha latinha encontrada na calçada da mansão do casal, na Ilha do Governador.
Chegava o Natal de 1999. D. Anastácia sugeriu ao marido fazer uma visita à família, que residia na Capital pernambucana. Seu Frederico achou maravilhosa a idéia, mas pensou na despesa da viagem e disse que tinha alguns compromissos empresariais, mas que ela poderia ir sozinha sem qualquer problemas. – Afinal, a família é sua! Não é mesmo, querida!? – falou ele forçando uma calma que estava longe de seus sentimentos.
Mesmo constrangida, d. Anastácia preparou a bagagem e seguiu para o aeroporto Santos Dumont, de onde voaria até o Recife. Ali, seria recebida pelos pais no Aeroporto dos Guararapes. Ainda no avião, lembrou-se da latinha de cerveja e pensou que deveria tê-la colocado num lugar mais seguro. Tentou esquecer os maus pensamentos. Virou-se para o lado e adormeceu.
(...)
D. Júlia olhou para o marido de forma desolada e falou: - Está chegando o Natal. Quantas pessoas estão programando longas viagens! Outros, preparam-se para jantares pomposos, visitas aos amigos, bebidas e comidas saborosas! E nós? O que esperamos? Onde está esse Papai Noel que tantos falam?
Depois de ouvir a mulher em silêncio e com o rosto entre as mãos, seu Firmino apenas murmurou: - Se a gente depender desse tal Papai Noel, não vai comer uma bolacha mofada! Vamos confiar em Deus, querida! Só Ele pode mudar a história da humanidade. Se for da vontade dEle, nosso Natal será melhor do que o de muita gente por aí!
O diálogo do casal foi interrompido pela chegada de um dos filhos que, com os olhos lacrimejando, olhou para o pai e disse melancolicamente: - papai, estou com fome! – Seu Firmino abraçou o filho e disse que estava saindo para buscar comida. Olhou para d. Júlia, baixou a cabeça, pegou um saco vazio e saiu de casa. Lá ia ele outra vez em busca das latinhas.
(...)
Seu Frederico resolveu aproveitar a ausência de d. Anastácia e fazer uma faxina em casa. Afinal, estando sozinho, não teria ninguém para dar opiniões contrárias sobre o que deveria fazer. Aos poucos ia juntando as coisas velhas até que viu lá num cantinho, quase escondido, uma latinha amassada. Pensou consigo mesmo, o que poderia uma lata velha poderia estar fazendo ali. Sem pensar duas vezes, pegou a lata e a atirou pela janela.
Minutos depois, seu Firmino, que já estava com o saco quase cheio e já estava de volta para casa, viu aquela latinha refletindo a luz solar, como se fosse uma lâmpada incandescente. Ainda pensou em deixá-la pra lá, mas uma força estranha o impulsionou até ela. Pegou-a e jogou-a no saco.
Já em casa, chamou a mulher e começaram a esvaziar o saco. Ao pegar aquela latinha, d. Júlia sentiu que algo estranho estava acontecendo. Levantou e baixou a latinha várias vezes, sacolejou para um lado e para outro e disse ao marido que havia algo ali dentro.
Cuidadosamente, eles abriram a latinha amassada até que, incrédulos, entreolharam-se. Um ar de espanto apoderou-se dos rostos de ambos. Diante deles estava uma verdadeira fortuna. Seria um presente de Papai Noel? Não. Que Papai Noel que nada! Ele só existe na imaginação das crianças. Era a mão de Deus que colocava diante deles a solução para os seus problemas. Resolveram guardar por uns dias a fortuna. Afinal, não sabiam a quem pertencia aquilo tudo e vender seria um grande risco.
(...)
Preocupada com a fortuna, d. Anastácia resolveu confessar ao marido o segredo da latinha. Tomou o telefone e ligou para casa. Contou a história da latinha e pediu que o marido não a jogasse no lixo. Preocupado, seu Frederico contou que havia atirado uma lata velha pela janela por achar que ela não valia nada. Do outro lado, um silêncio profundo. D. Anastácia caíra desmaiada, fulminada pelo impacto da triste notícia.
Imediatamente, seu Frederico correu até redação de um dos jornais da cidade para colocar uma gratificação à disposição de quem encontrasse a latinha. Mas a pessoa que havia achado a fortuna não lia jornais. Aliás, nem tinha dinheiro para comprá-los!
No dia seguinte, seu Firmino, como sempre, acordou cedinho para iniciar sua luta pela sobrevivência. Era 24 de dezembro e a perspectiva era juntar muitas latinhas. Ia pela rua quando alguém comentou: - Que loucura! Guardar jóias numa latinha de cerveja! Esses ricos têm cada mania!!!
Aproximando-se daquele senhor, seu Firmino perguntou de que se tratava. Ao ouvir o relato daquele leitor, ele perguntou onde morava o dono da latinha. Fez de conta que não se interessava por aquilo e, ao ver que o cara do jornal já havia sumido de vista, voltou para casa, pegou as jóias e correu para o endereço do ricaço.
Alí chegando, tocou desconfiado a campainha e pensou consigo mesmo, quanto iria receber por aquele ato de honestidade. Ouviu uma voz que perguntava: - quem é? – ele respondeu: - é o catador de latas. Ouvindo aquilo, seu Frederico não pensou duas vezes.
Seu Firmino, na sua simplicidade e sem jeito ao entrar naquela mansão, contou como tudo aconteceu. Os dois conversaram bastante e seu Firmino disse como levava a vida para sustentar uma família de cinco pessoas. A história comoveu seu Frederico que, de imediato, ligou para a mulher para dar a boa notícia.
Além de receber a gorda gratificação prometida, seu Firmino nunca mais voltou a catar latinhas vazias. Agora, já em sua casa, com a família estruturada, era auxiliar de serviços em uma das empresas Fred’s & Company, com um salário de causar inveja.
Hoje, quem entra na casa do casal Firmino e Júlia, encontra em primeiro plano, na sala principal, a seguinte inscrição: “ATÉ AQUI NOS AJUDOU O SENHOR!”.

(Adalberto Claudino Pereira)

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