domingo, 15 de fevereiro de 2009

O Nordeste já não é como nos tempos... (cordel)


Em 1983/84, eu trabalhava na Rádio Espinharas de Patos, no sertão paraibano, onde eu apresentava o programa “Violas da Minha Terra”, tendo como titulares os poetas repentistas Moacir Laurentino e Sebastião da Silva. Era uma dupla extraordinária, que fazia versos gigantes, garantindo, desta forma, uma audiência incomparável.
Foi nessa época que eu ouvi uma senhora contando o drama vivido por um de seus filhos que, vivendo uma situação difícil com a mulher e o filho, resolveu deixar o Nordeste e partir para uma aventura em outras plagas. A narrativa deixou-me interessado em transformá-la em versos. Não pensei duas vezes: parti pra luta e escolhi o mote em sete sílabas: “O Nordeste já não é como no tempo passado”. Eis o resultado:

Já cansei de passar fome e ver meu filho andar nu,
Nem um prato de angu chegava em nossa mesa,
Era uma grande tristeza viver tão angustiado.
Sem paz e desempregado, o homem vive sem fé,
O Nordeste já não é como no tempo passado.

O Nordeste era bom, tinha chuva e trabalho,
Mas chegou um “espantalho” chamado infelicidade;
Espalhou muita maldade no povo desesperado.
Com o coração machucado, sofre João, Pedro e José,
O Nordeste já não é como no tempo passado.

No tempo dos meus avós se via muita fartura,
Até a agricultura dava muita produção,
Tinha muito algodão e verdura no roçado,
O homem, encorajado, plantava milho e café,
O Nordeste já não é como no tempo passado.

Aqui eu não fico mais, já decidi: vou embora,
Pois já está chegando a hora de tudo aqui deixar,
Eu preciso trabalhar, cansei de ficar parado,
Pois viver desempregado para mim não dá mais pé,
O Nordeste já não é como no tempo passado.

Já vi até um doutor implorando por emprego,
Como é que fica um leigo sem estudo como eu?
Sou um cara que sofreu vivendo desamparado,
Eu vou mudar de Estado levando filho e mulher,
O Nordeste já não é como no tempo passado.

O meu pai era um matuto, que nem o nome escrevia,
E minha mãe só sabia da cartilha o “bê-a-bá”,
Até tentei estudar, mas preferi o roçado,
Virei um carro cansado andando em marcha ré,
O Nordeste já não é como no tempo passado.

Hoje só tenho um jumento, uma mulher e um filho,
Sou um trem fora dos trilhos, sem razão para viver,
Por isso, pra não morrer, vou lutar mais um bocado,
Meu corpo está esgotado, me ajudar ninguém quer,
O Nordeste já não é como no tempo passado.

Vou deixar a minha mãe e meus amigos também,
De caminhão ou de trem, vou arriscar meu destino,
Vou ser outro nordestino por este mundo jogado,
Já fui muito humilhado e seja o que Deus quiser,
O Nordeste já não é como no tempo passado.

Se um dia, por acaso, eu não me der bem lá fora,
Escute o que eu digo agora: vocês nunca vão saber,
Pois eu prefiro viver, mesmo sendo derrotado,
Sofrendo em outro Estado, como um vencido qualquer,
O Nordeste já não é como no tempo passado.

(Adalberto Claudino Pereira)

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