O Pinto e o Galo
(Conto)
O dia era de muita alegria, a exemplo do que acontecia todos os anos naquela cidadezinha interiorana, durante as comemorações alusivas à Padroeira do lugar.
A igreja enfeitada, estava repleta de fiéis que acompanhavam atentos as pregações do vigário, que cavalgara cerca de vinte quilômetros no dorso de um jumento e que vira seu sofrimento recompensado pela recepção que lhe fora preparada pela população. Naquele momento ele chegou até a pensar “lá com seus botões”: “eu até pareço Jesus Cristo entrando em Jerusalém!”.
Lá fora, a bandinha de pífanos executava uma música desafinada e sem muito ritmo, a única decorada por seus integrantes.
Ao contrário, os fogos de artifício fabricados pelo orgulhoso “Zeca Fogueteiro”, cortavam o espaço e, uníssonos, espocavam ao mesmo tempo em que formavam um colorido impressionante.
Orgulhoso, e num ato demagógico, o prefeito apertava as mãos do fogueteiro, acenava para os componentes da bandinha e sorria para todos que encontrava pelas ruas da cidade em festa.
Nas barracas armadas ao redor da “pracinha”, a única existente, a história era bem diferente. Alí estavam os que preferiram fazer suas orações em casa e que reservaram um espaço para o “São João da Barra”. Não faltavam os mais diversos tipos de tira-gostos, como: arribação, galinha assada, carne seca, sardinha e até caldo de feijão. O consumo de aguardente era de causar inveja a qualquer alambique.
O único bar da pequena cidade estava repleto, o que não era de se admirar nos momentos de festejos e nos finais de semana. “Seu” Ambrozino, o proprietário, ria de orelha a orelha, feliz com a freguesia que, certamente, deixaria um bom “apurado”. Os freqüentadores se conheciam, não faltando aquela tradicional familiaridade de compadres.
Já se tornara uma tradição a presença de Biu Galego, mais conhecido como “Galo”, pela sua fama de valentão. Era um tipo um tanto agigantado, ou seja, um pouco mais que Mike Tyson e um pouco menos que o incrível Hulk. O citado elemento era bastante respeitado na redondeza e, por este motivo, costumava dizer: “quando o Galo canta, todo mundo se levanta!”. É que o Biu Galego era um cara metido a cantor, embora nunca tivesse aprendido a cantar. Desafinava e não admitia críticas à sua péssima voz, fanhosa e rouca.
Indiferente às tradições daquela cidadezinha e mais preocupado em participar das festividades, Diógenes Pinto Figueiredo, um estudante e presidente da república onde morava com alguns amigos, depois de assistir às solenidades religiosas, resolveu dar um “pulinho” até o bar de “seu” Ambrozino.
Seu corpo frágil, menos de um metro e sessenta de altura, rosto pálido e semblante cadavérico, provocaram um momento de perplexidade entre todos os freqüentadores do bar.
- Que bichín amarelo e feio! – resmungou um mulato que estava encostado no canto do balcão, diante de um copo de cachaça, dirigindo-se a um companheiro ao lado.
- Amarelo, feio, pequeno e magro! – completou o outro.
- Quem é você, rapaz, e de onde vem? – perguntou “seu” Ambrozino, curioso por nunca ter visto alguém tão esquisito por aquelas bandas.
Tranqüilo e sem qualquer maldade, o estranho visitante respondeu:
- Venho da Capital. Meu nome é Figueiredo e sou o presidente da república...
... É o presidente Figueiredo! É o presidente do Brasil! É ele mesmo! Viva o presidente!... – exclamaram todos de uma só vez, sem esperar pelo final da descrição do rapaz
No meio do tumultuo, alguém bradou:
- Só pode ser mesmo o presidente do Brasil! Vejam a cara de fome e de miséria que ele tem! E eu pensava que só o nordestino passava fome e era assim desnutrido!
Todos riram. Só depois de muito esforço é que o pobre rapaz conseguiu explicar que não era o presidente da República Federativa do Brasil mas, sim, o presidente de uma república de estudantes e que seu nome completo era Diógenes Pinto Figueiredo.
Tudo voltou ao normal até que, de repente, ouviu-se uma voz rouca e
desafinada. Era Biu Galego, o “Galo”, que estava chegando. Temendo qualquer contratempo, o dono do bar foi logo gritando:
- Quando o Galo canta, todo mundo se levanta!
Todos se levantaram, menos o visitante, que não sabia de nada. O brutamontes ficou entre contrariado e estupefato. Nunca alguém o havia desrespeitado tanto, principalmente quando cantava a “Asa Branca”, de Luiz Gonzaga, o “rei” do baião. Aquilo era uma falta de respeito ao “rei” e a ele próprio, pensou. Ficou indignado ainda mais, ao ver que fora desmoralizado por um “pigmeu”, amarelo, magro, feio e desajeitado. Biu Galego estufou o peito e gritou:
- Levanta, cabra da peste. Tu num sabe Qui quando o Galo canta todo mundo se levanta?... Fica de pé, amarelo sambudo!...
Sem esperar pela Segunda ordem, Pinto Figueiredo arremessou um tamborete contra a cabeça do valentão que, “incontinente”, caiu por terra, arregalou os olhos em direção ao seu agressor, deu o último suspiro e “fechou o paletó”.
Voltando-se para os presentes, todos boquiabertos, Diógenes Figueiredo calmamente falou:
- Quando o Pinto pia, o Galo se arrepia.
Sob os olhares apreensivos, retirou-se do bar e, ao passar pelo proprietário, que não acreditava no que vira, o visitante disse baixinho:
- Mais vale o jeito do que o tamanho do sujeito.
A partir daquele momento, ninguém mais se levantou para ouvir o Galo cantar.
(Adalberto Claudino Pereira)
quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009
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