segunda-feira, 9 de março de 2009

Repentes e Repentistas (livro) - Parte 11


OS ESTILOS: MODELOS DE VERSOS

01) – SEXTILHAS: As sextilhas são construídas com seis versos, da seguinte forma: A – B – C – B – D – B, conforme o exemplo seguinte:

“Amigos, abram os ouvidos
e escutem o que a gente diz
cada um é um soldado
de lança, arma e fuzis,
defendendo a nossa pátria
e honrando o nosso país”. (Raimundo Borges)

02) – MOTE EM SETE SÍLABAS: Os motes em sete sílabas são construídos com dez versos, da forma seguinte: A – B – B – A – A – C – C – D – D – C, conforme o seguinte exemplo:

“Acho bom dizer agora
que isso me adianta:
com cavalo a gente canta,
sem cavalo a gente chora;
guardei até a espora,
que já está enferrujada,
chorei até na calçada
igualmente um desgraçado,
meu cavalo bom de gado
morreu numa vaquejada”. (Reinaldo Ribeiro)

03) - MOTES EM DECASSÍLABOS: Os motes em decassílabos, com dez versos, têm a seguinte forma de construção: A – B – B – A – A – C – C – D – D – C, como podemos ver nesse exemplo:

“Certo dia à tardinha eu fui chegando,
estava um velho deitado na calçada
numa vida cansada, aperreada
e seu filho mais novo namorando,
e o velho, coitado, se apertando,
vendo o filho a mocinha agarrar,
ele vendo seu filho namorar,
disse a ele: “eu já fui assim também!”,
mas a velhice é doença que não tem
medicina que possa lhe curar”. (José Melquíades)

04) - O CANTADOR DE VOCÊS: É um estilo construído com doze versos, seguindo a seguinte forma: A – B – B – A – A – C – C – D – D – E – E – D, conforme o exemplo seguinte:

“Você não conhece a lei,
não sabe o que é verdade
e não tem capacidade
de saber o que eu sei,
na sua terra sou rei
e mando nos coronéis;
é treze com doze, é onze com dez,
é nove com oito, é sete com seis,
é cinco, é quatro, mais um, mais dois, mais três,
pra mim você não é nada
e eu vou dar uma lapada
no cantador de vocês”. (Adalberto Pereira)

05) – COQUEIRO DA BAHIA: Trata-se de um estilo de repente com dez versos, sendo que o último verso é repetido. Há mudanças nos seis primeiros versos, com os poetas repetindo os quatro últimos. Sua formação segue o seguinte critério de rimas: A – B – B – C – C – D – D – C, conforme o exemplo:

“Vou cantar uma canção
que é das outras diferente
vou fazê-la num repente
que eu improvisei agora,
pois eu canto toda hora,
é de noite e é de dia
coqueiro da Bahia
quero ver meu bem agora;
quer ir mais eu, vamos;
quer ir mais eu, vambora! (2X) (Adalberto Pereira)

06) – MARTELO MIUDINHO (em desafio): O martelo miudinho é um decassílabo construído com dez versos, seguindo o seguinte critério de rimas: A – B – B – A – A – C – C – D – D – C, conforme o exemplo seguinte:

“Pra ferir sou pior do que machado,
quando canto estremeço o firmamento,
desaforo de ninguém eu não agüento,
cabra ruim comigo sai machucado,
come cru e corre desesperado,
já venci uma batalha sozinho,
derrubei quem passava em meu caminho,
deixei sangue espalhado pela terra,
estou pronto para enfrentar outra guerra
nos dez pés de Martelo Miudinho”. (Adalberto Pereira)

07) – BRASIL CABOCLO: É um estilo formado com dez versos de sete sílabas, cada um, com os dois últimos sendo repetidos pelos dois poetas. Sua formação segue o seguinte critério: A – B – B – A – A – C – C – D – D – C, conforme o seguinte exemplo:

“Meu Nordeste brasileiro
tem muita mulher cheirosa,
tem cabra que conta prosa
e diz ter muito dinheiro,
tem viola e violeiro,
tem samba, xote e baião
e tem noite de São João
com fogos dando pipôco,
neste meu Brasil caboclo
de Mãe Preta e Pai João (2X) (Adalberto Pereira)

08) – QUADRÃO À BEIRA-MAR: Trata-se de um estilo constituído por oito versos de sete sílabas cada um deles, seguindo a seguinte ordem de rimas: A – A – A – B – B – C – C – B, sendo que os poetas repentistas encerram cantando em uníssono: Beira-mar, beira-mar, beira-mar, quadrão só presta quando é feito à beira-mar. Vejamos esse exemplo:

Já estou bem preparado,
Sou cantador afamado,
Canto presente e o passado
Sem ter medo de errar;
Não quero desafiar
Meu ilustre companheiro,
Que é homem verdadeiro
No quadrão à beira-mar.
Beira-mar, beira-mar, beira-mar,
Quadrão só presta quando é feito à beira-mar. (Adalberto Pereira)

09) - ROJÃO PERNAMBUCANO: É um estilo com dez versos, cantado em sete sílabas, obedecendo o seguinte critério de rimas: A – B – B – A – A – C – C – D – D – C, sendo que os dois poetas repetem os dois últimos versos (quando eu ia ela voltava, quando eu voltava ela ia). Trata-se de um estilo bastante interessante e até certo ponto divertido, como podemos ver no exemplo seguinte:

Viajei num trem de feira
Com minha noiva Raimunda.
Quando eu ia de segunda
Ela ia de primeira,
Eu pulava pra terceira,
Pra segunda ela corria,
Quando eu pra primeira ia,
Pra segunda ela voltava;
Quando eu ia ela voltava,
Quando eu voltava ela ia.
(quando eu ia ela voltava,
quando eu voltava ela ia). (José Melquíades)

10) – MOURÃO VOLTADO: O mourão voltado é um estilo que requer muita atenção por parte do poeta, visto que ele é cantado de forma alternada, ou seja, um poeta canta um verso e deixa o seguinte para o companheiro. Ele tem dez versos, incluindo o refrão: “Isso é que é mourão voltado, isso é que é voltar mourão.” As rimas são feitas da seguinte forma: A – B – B – A – A – C – C – D – D – C. É cantado em sete sílabas, como podemos ver no exemplo da dupla do Piauí: Antônio Ricardo e Nei Ricardo:

A. R. – Voltando de Araripina,
N. R . – Em Picos, minha cidade,
A. R. - Lembro com autoridade
N. R. – Dessa gente superfina,
A. R. – Dessa comissão grã-fina
N. R. – Agradeço com emoção,
A. R. – Que linda apresentação,
N. R. – Eu fiz com bom resultado.
Isso é que é mourão voltado,
Isso é que é voltar mourão.
(Antônio Ricardo e Nei Ricardo)

11) – OITAVÃO REBATIDO: O Oitavão Rebatido é um estilo que coloca os poetas num daqueles desafios que deixam o público em delírio. Ele é cantado seguindo o seguinte critério de rimas: A – B – A – B – C – C – C – B, e metrificado em sete sílabas. No final de cada estrofe o poeta canta: “no oitavão rebatido”, como podemos ver nesse exemplo:

C. 1 – Você diz que é valente,
Eu acho que é atrevido,
Um sujeito indecente,
Sapeca e enxerido;
Você só conta vantagem,
Gosta de fazer chantagem,
Quero ver se tem coragem
No oitavão rebatido.
C. 2 – Eu sou um cara de sorte,
Pelas moças sou querido,
Tenho um santo bom e forte,
Pra quem quer sou bom partido,
Sou forte, sou vencedor,
Excelente cantador,
Canto a paz e canto o amor
No oitavão rebatido. (Adalberto C. Pereira)

12)- DEZ DE QUEIXO CAÍDO: O Dez de Queixo Caído é um estilo bastante cantado pelos poetas. Tem uma beleza de rima e metrificação, uma vez que é cantado em 7 sílabas, obedecendo o seguinte critério de rimas: A – B – B – A – A – C – C – D – D – C, totalizando dez versos. Vejamos esses exemplos:

Quero cantar no momento / Um estilo diferente
Quem está aqui presente / Assistindo a esse evento
Verá que tenho talento / E sou por todos querido
Por Deus eu sou protegido / E quero ser sempre assim:
Com Ele juntinho a mim / Nos dez de queixo caído.

Eu também canto repente / Com perfeição e clareza
Da mulher mostro a beleza / Vejo um Deus Onipotente,
Um mundo vil, indecente / E um povo esquecido.
Eu fico até constrangido / Quando mostro a verdade
Mas canto a realidade / Nos dez de queixo caído. (Adalberto C. Pereira)

QUEBRANDO UM “TABU”


A primeira vez em que ouvi uma dupla de poetas repentistas foi no programa “Retalhos do Sertão”, levado ao ar pela Rádio Borborema de Campina Grande e apresentado por Juracy Palhano. Na época, os titulares do programa eram os poetas José Gonçalves e Cícero Bernardes. Fiquei realmente maravilhado com os lindos versos improvisados pela dupla e nunca mais quis deixar de assistir àquele programa.

É claro que naquela época, poetas repentistas, ou simplesmente cantadores de viola, como eram comumente chamados, era coisa pra matuto, pra gente da roça, para o homem da mão calejada. Para os doutores da época, o negócio era bolero, valsa e tango.

Os anos foram passando e a minha admiração pelos poetas repentistas aumentava cada vez mais. Até aí, eu só ouvia, admirava e aplaudia. Depois, assistindo a uma palestra proferida pelo jovem poeta Ronaldo Cunha Lima, toda ela em versos, passei a tentar fazer alguns versos e, conseqüentemente, algumas poesias simples, sem aquelas condições de arrancar aplausos, de levantar públicos.

Depois de um ano no Batalhão de Serviços de Engenharia, em Campina Grande, fui para a cidade de Patos, no Sertão paraibano. Alí, depois de alguns anos, conheci o deputado Estadual Edvaldo Fernandes Motta, um admirador da poesia matuta. Se já gostava daqueles livrinhos de Cordel, passei a gostar muito mais.

Lembro que, ao chegar nos sítios, nas fazendas, nas roças, as pessoas se sentavam no terreiro, em frente à casa principal, ou casa grande, como chamavam, e ficavam me ouvindo lendo os folhetos que me eram entregues. Todos ficavam “babando” e, muitas vezes eu até arriscava cantar como os repentistas. No final, eu estava realizado.

Mas, apesar de tudo isso, dizer que gostava de cantador de viola era muito arriscado. Os colegas chegavam a xingar quando sabiam que eu tinha ido a uma cantoria. A grande verdade é que muita gente, intimamente, achava a literatura de cordel extraordinária, mas não tinha coragem para se declarar um admirador dos cantadores de viola.

Eu, particularmente, não ligava para esses tipos de comentários. Nas feiras-livres de Patos, lá estava eu, debaixo daquelas barraquinhas de palha ou de lona, ouvindo os poetas repentistas que, mesmo com suas violas improvisadas e com rimas até imperfeitas, tentavam transmitir a beleza do repente.

Quando passei a trabalhar na Rádio Espinharas de Patos, minha presença naqueles locais passou a ser motivo de orgulho para aqueles “pequenos” repentistas. Muitos deles, antes de começar a cantoria, olhavam pra mim e pediam desculpas, caso a cantoria não me agradasse. Para mim, cantoria era cantoria, fosse ela com poetas famosos ou não.

Como professor, passei a levar duplas de poetas repentistas para os colégios onde lecionava. Para isso, fazia uma preparação com os meus alunos, mostrando a beleza da poesia de cordel. Quando os repentistas chegavam, eram aplaudidos, mesmo antes de iniciarem a cantoria. Fiz isso no Colégio Destak e na Escola Luiz Gonzaga Duarte. Era a única maneira de iniciar um projeto que eu sempre sonhara em colocá-lo em prática: quebrar um tabu que vinha há muitos e muitos anos.

Hoje, o repente popular, graças à competência dos grandes “Heróis do Repente”, está chegando nos lugares mais sofisticados, inclusive nas Universidades. Temos até poetas repentistas com cursos superiores, o que demonstra a evolução da nossa LITERATURA DE CORDEL.

Um comentário:

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