sexta-feira, 6 de março de 2009

Repentes e Repentistas (livro) - Parte 08


O Mourão Voltado é outro gênero bastante interessante, pela maneira como os poetas repentistas se comportam durante a sua apresentação. Sempre no final, eles dizem juntos: “Isso é que é mourão voltado, isso é que é voltar mourão!”.

Outra característica do Mourão Voltado é que os poetas repentistas cantam de forma alternada, ou seja, um canta um verso, deixando o seguinte para o companheiro, como podemos ver no trabalho seguinte, apresentado pela dupla Antônio Ricardo e Nei Ricardo, da cidade Picos, no Piauí, durante apresentação no I Congresso de Poetas repentistas da Região do Araripe:

A. R. – Estando nesse palanque,
N. R. – Agradeço à comitiva,
A. R. – À nobre platéia viva,
N. R. – Eu peço que abra e tranque.
A. R. – Depois abasteça o tanque,
N. R. – Cheio de força e ação,
A. R. – Volto para na região,
N. R. – Com saudade desse Estado.

Isso é que é mourão voltado,
Isso é que é voltar mourão. (ambos)

N. R. – Da comissão julgadora,
A. R. – O apoio eu agradeço.
N. R. – Ordem bonita obedeço,
A. R. – Desta nobre emissora,
N. R. – Porque ela é defensora,
A. R. – Da cultura do sertão,
N. R. – Adalberto, nosso irmão,
A. R. – Um diretor educado.

Isso é que mourão voltado,
Isso é que é voltar mourão (ambos)

A. R. – Quando eu voltar do trabalho,
N. R. – Digo que senti saudade,
A. R. – Levo pra minha cidade,
N. R. – Honra pra nosso agasalho,
A. R. – Tiro do boi o chocalho,
N. R. – A careta e o gibão,
A. R. – O chifre do barbatão,
N. R. – A maratona do gado.

Isso é que é mourão voltado,
Isso é que é voltar mourão. (ambos)

N. R. – Voltando, sinto saudade,
A. R. – E recordo de alguém,
N. R. – Que eu deixei sem ninguém,
A. R. – Vive em outra cidade,
N. R. – De vê-la tenho vontade,
A. R. – Me enche de emoção,
N. R. – Padece meu coração,
A. R. – Porque sou apaixonado.

Isso é que é mourão voltado,
Isso é que é voltar mourão. (ambos)

A. R. – Voltando de Araripina,
N. R. – Em Picos, minha cidade,
A. R. – Lembro com autoridade,
N. R. – Dessa gente superfina,
A. R. – Dessa comissão grã-fina
N. R. – Agradeço com emoção,
A. R. – Que linda apresentação,
N. R. – Eu fiz com bom resultado.

Isso é que é mourão voltado,
Isso é que é voltar mourão. (ambos)

A. R. – Eu agradeço a Normando,
N. R. – Que apresentou a gente,
A. R. – Muito amigo e consciente,
N. R. – Adalberto, homem brando,
A. R. – Esquecê-lo não sei quando,
N. R. – Vou levar recordação,
A. R. – Do povo da região.

Isso é que é mourão voltado,
Isso é que é voltar mourão. (ambos)

+x+x+x+x+x+x+x+x

O Martelo Agalopado é outro estilo bastante solicitado nas cantorias. Nos Congressos, geralmente ele aparece como tema livre, não contando pontos para os concorrentes. Cada estrofe contém 10 (dez) versos, seguindo o seguinte critério de rima: o primeiro verso rima com os quarto e quinto; o segundo verso rima com o terceiro; o sexto rima com o sétimo, preparando para o último verso, que é o desfecho; o oitavo verso rima com o nono. Seria assim: A – B – B – A – A – C – C – D – D – C.

Vejamos como exemplo este trabalho dos poetas repentistas João Batista e Vitorino Bezerra, da cidade de Picos, Piauí, durante o I Congresso de Poetas Repentistas da Região do Araripe:

J. B. – Eu convido agora o companheiro
Pra cantar um estilo diferente,
Pra poder agradar a nossa gente,
Você é bom poeta e violeiro,
Eu também vou honrando o meu roteiro,
Sou poeta e sou bem renomado.
O poeta que canta é preparado,
Pois Jesus, pra cantar lhe deu coragem,
É por isso que eu mando essa mensagem
Nos dez pés de martelo agalopado.

V. B. – No passado eu já fui acostumado
A cantar de viola e de repente,
Pois Jesus já me fez inteligente,
E a Ele eu dou muito obrigado,
Neste mundo a Jesus eu sou honrado,
A idéia de Deus me deu valor,
Mas não sei se eu sou merecedor
De viver neste mundo aqui na terra,
Na batalha o poeta nunca erra
E agradeço demais ao Criador.

J. B. – Nesse mundo aprendi ser cantador,
Deus me fez para ser um bom poeta,
E cantando sou igual a um profeta,
É assim que apresento o meu valor,
Vou cantando por todo interior,
Para ver se agrado essa nação,
Já cantei demais pelo sertão,
Pra cantar um martelo eu garanto,
Cada verso é um hino que eu canto
Para honrar esta minha profissão.

V. B. – Admiro os segredos do Sertão,
O jumento correr escangalhado,
O vaqueiro aboiando atrás do gado,
De perneira, de espora e de gibão.
Admiro o estrondo do trovão
E a chuva que cai em fevereiro,
Admiro a zoada do vaqueiro,
E admiro o perfume da donzela,
Admiro esta vida que é tão bela,
Admiro o cantar de um violeiro.

J. B. – Admiro o poeta violeiro,
Que se inspira no braço da viola,
Quando canta, na vida se controla
E cantando agrada ao mundo inteiro.
É preciso conhecer o seu roteiro,
Que é pra ver se aumenta o seu cartaz,
Cada dia que canta aumenta mais
A cantiga que canta quando quer,
Que o que canta em Deus tem muita fé
Para fazer como o poeta sempre faz.

V. B. – Eu não sei se mostrei que fui capaz,
E não sei se agradei a todo mundo,
Mas criei os meus versos em um segundo,
As belezas da vida principais
O poeta cantando satisfaz,
Que Jesus, pra cantar, me deu um plano,
Agradeço demais ao Soberano
E agrado na vida e na viola,
Para ver se agrado a corriola,
E estar no Congresso para o ano.

Assim como acontece nas sextilhas, no Martelo Agalopado os poetas repentistas sempre tomam a “deixa” do companheiro. Por exemplo, se o poeta terminar a estrofe com a palavra trovador, o outro inicia sua estrofe com uma palavra terminada em OR (Salvador, professor, ditador, inspetor, doutor, etc.)

Os tempos vão passando e a Literatura de Cordel vai se ampliando cada vez mais com o advento de novos estilos. De inicio, as cantorias eram feitas na base de sextilhas, versos em sete sílabas e em decassílabos (versos de dez sílabas). Depois foram surgindo outros estilos como: Brasil Caboclo, Coqueiro da Bahia, Rojão Pernambucano, e outros. Hoje, já temos um estilo que diz: No tempo de Pai Tomaz, Preto Velho e Pai Vicente. Aqui vai um exemplo para o conhecimento do leitor:

O Brasil tem seu valor, desde o padre ao doutor.
Já tivemos ditaduras, que era tempo de amarguras,
Agora tô mais contente, porque sou independente,
Meu país já vive em paz, ditaduras nunca mais,
No tempo de Pai Tomas, Preto Velho e Pai Vicente.

Lembrar da escravidão, entristece o coração,
Negro velho acorrentado, com o rosto amargurado,
O homem, por mais valente, tinha a marca da corrente
Era moça e rapaz nas unhas do capataz,
No tempo de Pai Tomaz, Preto Velho e Pai Vicente.

O povo do meu sertão enfrentou o Lampião,
Que foi o rei do cangaço, fez do Nordeste um bagaço
Enfrentou cabo e tenente, acabou com muita gente
Com uma fúria voraz, sem deixar ninguém em paz
No tempo de Pai Tomaz, Preto Velho e Pai Vicente.

Esse estilo é cantado em versos de sete sílabas, com 10 (dez) versos para cada estrofe, seguindo o seguinte critério de rima: o primeiro rima com o segundo; o terceiro com o quarto; o quinto com o sexto, armando a rima para o último verso; o sétimo com o oitavo e com o nono.

Ao contrário do que acontece nas sextilhas, o poeta não é obrigado a tomar a “deixa” do companheiro, iniciando a primeira estrofe com o final do último verso por ele apresentado.

No exemplo que apresentamos, as estrofes terminam com a palavra Vicente. Logo, o outro poeta pode iniciar sua participação na estrofe seguinte com qualquer outra palavra, sem a obrigação de terminar o primeiro verso com ENTE, como observamos.

O mote em decassílabo é construído da seguinte forma, considerando-se o modelo de rimas: A – B – B – A – A – C – C – D – D – C, totalizando dez (10) versos em cada estrofe, sendo que os dois últimos versos representam o próprio mote escolhido. Para uma maior objetividade, apresentamos um exemplo, levando em consideração o mote: “As lembranças que guardo do passado me confortam para viver o presente”.

Fui criança e vivi muito feliz / recebendo carinhos dos meus pais,
Os brinquedos ficaram para trás, / e também outras coisas que eu fiz,
Sempre tive tudo aquilo que eu quis, / nunca tive momentos descontentes,
Estudei, sempre fui inteligente, / também fui por meus pais bem educado,
As lembranças que guardo do passado / me confortam para viver o presente.

Sempre fui um exemplo na escola, / estudando história e português,
Dava show em desenho e francês, / pra passar nunca precisei de cola,
No esporte também fui bom de bola, / mas agora não dou um passo à frente,
A velhice atrapalha muita gente / e é por isso que sempre estou lembrado,
As lembranças que guardo do passado / me confortam para viver o presente.

Quando eu era pequeno eu vivia / mais feliz, com amor por todo o lado,
Pelas moças eu era bajulado, / em seus braços babava de alegria,
Dava pulos, dançava e sorria, / pois ali eu ficava mais contente,
Mas agora, já velho e descontente, / na bengala eu vivo escorado,
As lembranças que guardo do passado / me confortam para viver o presente.

Na infância a vida é mais gostosa, / apesar dos momentos de castigos,
Não esqueço também os meus amigos / e mamãe cada vez mais carinhosa,
A vizinha andando bem charmosa, / meu cachorro, pequeno mas valente
E meu pai, que falava duramente, / parecendo estar mal humorado,
As lembranças que guardo do passado / me confortam para viver o presente.

Era bom namorar a menininha / e brincar de peteca nas calçadas,
Beliscar as meninas assanhadas / e sonhar com a filha da vizinha,
A tristeza era coisa que eu não tinha, / apesar de ser pouco inocente,
A certeza de ser velho é patente, / mas ninguém se declara conformado,
As lembranças que guardo do passado / me confortam para viver o presente.

Se nós somos crianças inseguras, / nosso sonho é ganhar a liberdade,
E lutar para ter felicidade / e viver uma vida de fartura.
Não sabia que havia a amargura / de ser velho, caduco e impotente,
É melhor ser criança novamente, / para ser outra vez babaricado,
As lembranças que guardo do passado / me confortam para viver o presente.

Vi meu pai comentando certa vez: / “sinto falta da minha mocidade,
Ai, meu Deus, como eu tenho saudade / quando eu tinha apenas vinte e três,
Eu invejo esta vida de vocês, / mas espero encontrá-los lá na frente,
Como eu, velho, fraco e impotente / e dizendo assim desesperados:
As lembranças que guardo do passado / me confortam para viver o presente”.

(Adalberto Claudino Pereira)

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