quinta-feira, 5 de março de 2009

Repentes e Repentistas (livro) - Parte 05


Outro gênero bastante solicitado nas cantorias é o Coqueiro da Bahia. Trata-se de um estilo diferente e com um ritmo bastante alegre, que geralmente leva a platéia a acompanhar os poetas com palmas. É um ritmo tão hilariante que dá até para arriscar uma dança. Vejamos algumas partes de um Coqueiro da Bahia, com os poetas repentistas Moacir Laurentino e Raimundo Borges:

M. L. – Agora eu vou terminando sem cantar assunto falho,
Cheguei ao fim do trabalho, preciso sair agora,
Vou calar minha sonora, o meu pinho e a melodia,
Coqueiro da Bahia, quero ver meu bem agora
Quer ir mais eu, vamos; quer ir mais eu, vambora.
Quer ir mais eu, vamos; quer ir mais eu, vambora.

R. B. – Eu vou só deixar lembrança pra o povo de Araripina,
Vou logo pra Petrolina, onde a minha loura mora,
Tá me esperando agora, vou ao amanhecer o dia,
Coqueiro da Bahia, quero ver meu bem agora
Quer ir mais eu, vamos; quer ir mais eu, vambora.
Quer ir mais eu, vamos; quer ir mais eu, vambora.

M. L. – Venha, Adalberto Pereira, já é hora da saída,
Tá na hora da partida, a minha matéria chora,
Pois se quiser ir agora, vamos em minha companhia,
Coqueiro da Bahia, quero ver meu bem agora
Quer ir mais eu, vamos; quer ir mais eu, vambora.
Quer ir mais eu, vamos; quer ir mais eu, vambora.

R. B. – Eu preciso ir pra cantar, que o povo tá me esperando,
Dou obrigado a Normando, que assume a ponta agora,
Não posso mais ter demora, mas se eu pudesse não ia,
Coqueiro da Bahia, quero ver meu bem agora
Quer ir mais eu, vamos; quer ir mais eu, vambora.
Quer ir mais eu, vamos; quer ir mais eu, vambora.

M. L. – Tô guardando essa criança com poucos anos de idade,
Minha mãe tem amizade, que lhe abraça e lhe adora,
Quando essa criança chora ela beija e acaricia,
Coqueiro da Bahia, quero ver meu bem agora
Quer ir mais eu, vamos; quer ir mais eu, vambora.
Quer ir mais eu, vamos; quer ir mais eu, vambora.

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Em 1983/84, eu trabalhava na Rádio Espinharas de Patos, no sertão paraibano, onde eu apresentava o programa “Violas da Minha Terra”, tendo como titulares os poetas repentistas Moacir Laurentino e Sebastião da Silva. Era uma dupla extraordinária, que fazia versos gigantes, garantindo, desta forma, uma audiência incomparável.

Foi nessa época que eu ouvi uma senhora contando o drama vivido por um de seus filhos que, vivendo uma situação difícil com a mulher e o filho, resolveu deixar o Nordeste e partir para uma aventura em outras plagas. A narrativa deixou-me interessado em transformá-la em versos. Não pensei duas vezes e parti pra luta e escolhi o mote em sete sílabas: “O Nordeste já não é como no tempo passado”. Eis o resultado:

Já cansei de passar fome e ver meu filho andar nu,
Nem um prato de angu chegava em nossa mesa,
Era uma grande tristeza viver tão angustiado.
Sem paz e desempregado, o homem vive sem fé,
O Nordeste já não é como no tempo passado.

O Nordeste era bom, tinha chuva e trabalho,
Mas chegou um “espantalho” chamado infelicidade;
Espalhou muita maldade no povo desesperado.
Com o coração machucado, sofre João, Pedro e José,
O Nordeste já não é como no tempo passado.

No tempo dos meus avós se via muita fartura,
Até a agricultura dava muita produção,
Tinha muito algodão e verdura no roçado,
O homem, encorajado, plantava milho e café,
O Nordeste já não é como no tempo passado.

Aqui eu não fico mais, já decidi: vou embora,
Pois já está chegando a hora de tudo aqui deixar,
Eu preciso trabalhar, cansei de ficar parado,
Pois viver desempregado para mim não dá mais pé,
O Nordeste já não é como no tempo passado.

Já vi até um doutor implorando por emprego,
Como é que fica um leigo sem estudo como eu?
Sou um cara que sofreu vivendo desamparado,
Eu vou mudar de Estado levando filho e mulher,
O Nordeste já não é como no tempo passado.

O meu pai era um matuto, que nem o nome escrevia,
E minha mãe só sabia da cartilha o “bê-a-bá”,
Até tentei estudar, mas preferi o roçado,
Virei um carro cansado andando em marcha ré,
O Nordeste já não é como no tempo passado.

Hoje só tenho um jumento, uma mulher e um filho,
Sou um trem fora dos trilhos, sem razão para viver,
Por isso, pra não morrer, vou lutar mais um bocado,
Meu corpo está esgotado, me ajudar ninguém quer,
O Nordeste já não é como no tempo passado.

Vou deixar a minha mãe e meus amigos também,
De caminhão ou de trem, vou arriscar meu destino,
Vou ser outro nordestino por este mundo jogado,
Já fui muito humilhado e seja o que Deus quiser,
O Nordeste já não é como no tempo passado.

Se um dia, por acaso, eu não me der bem lá fora,
Escute o que eu digo agora: vocês nunca vão saber,
Pois eu prefiro viver, mesmo sendo derrotado,
Sofrendo em outro Estado, como um vencido qualquer,
O Nordeste já não é como no tempo passado.

(Adalberto Claudino Pereira)

Em um dos muitos momentos de meditação, estive pensando em um determinado filho que, influenciado por um padrinho, havia deixado a terra onde nasceu e se criou, para tentar a sorte no Rio dse Janeiro, por sinal, uma decisão normal, principalmente quando se trata de um jovem sonhador.

Passados alguns meses e vendo que as coisas não eram tão fáceis como afirmara o compadre de sua mãe, aquele jovem resolveu voltar às suas origens. Mas antes, resolveu comunicar à sua mãe, através de uma carta, a decisão tomada. Ela foi feita em sete sílabas. Vejamos como foi:

Esta carta que eu envio para você, mãe querida,
é pra contar minha vida, desde que aqui cheguei.
De cara eu encontrei um grupo de marginais,
são mesmo que animais atacando suas presas.
E eu que tinha certeza que ia viver em paz.

Fiquei bastante sentido com o que vi no começo,
que perdi o endereço que a senhora me deu;
Aí entreguei a Deus meu presente e meu futuro,
fiquei com medo, lhe juro, mas com fé segui em frente,
é como a gente se sente quando se vê no escuro.

De repente vi escrito numa parede “HOTEL”,
levei as mãos para o céu e agradeci a Deus,
peguei os pertences meus e fui direto pra lá.
Não foi difícil entrar, pois a porta estava aberta,
paguei a quantia certa e procurei descansar.

A vida aqui não é mole; é difícil de viver.
Quem quiser sobreviver, tem mesmo que trabalhar!
Quem pensa que vem brincar está muito enganado,
tem que sofrer um bocado, pois até fome passei;
Demorou, mas encontrei onde ficar empregado.

Aquela vida folgada que seu compadre falou,
se um dia ele encontrou, comigo foi diferente:
trabalhei como servente pra poder sobreviver,
nem adiantou dizer que tinha três formaturas.
Enfrentei as amarguras que só vendo para crer.

Aqui, no Rio, é assim: sofre mendigo e doutor,
um amigo me falou que chegou a passar fome.
Quem não trabalha, não come; nem água pode tomar.
Morrer de fome não dá! Basta o frio que faz,
mas quem sofre muito mais é quem não quis estudar.

Nem posso me divertir, como sempre fiz aí.
Um domingo eu saí pra um jogo de futebol,
era um dia de sol, parecia o sol da gente!
O que eu achei diferente foi o linguajar do povo,
seja velho, ou seja novo, foi torcedor, é valente!

Pois é, minha mãe querida! O Nordeste é mais legal.
Aqui só tem carnaval, Copacabana, Ipanema,
Chuva aqui é um dilema, não é como em Pernambuco,
Que o povo vive maluco pra receber um pouquinho,
E vem só um chovisquinho, que não se faz nem um suco.

Eu tenho aqui uns amigos, que também são nordestinos,
um deles é o Severino, que nasceu em Piancó,
tem outro de Bodocó, no sertão pernambucano,
seu primo Aureliano, trabalha como padeiro,
mas gasta todo o dinheiro no boteco do “cigano”.

Gosto mais do Rafael, que veio do Ceará,
ele gosta de ajudar quando a gente mais precisa.
Um dia deu a camisa para um pobre vagabundo.
O mais gaiato é o Raimundo, que conta muitas piadas,
é cheio de palhaçadas, é o mais feliz deste mundo.

Mas lá, do lado de fora, a história é diferente:
Tem muita gente decente, e muita sem confiança,
É esta a pior herança que encontrei por aqui.
É melhor ficar aí; nem pense em se mudar,
pois lugar bom pra morar é aquele onde eu nasci.

Por favor, diga a papai que o Rio é ilusão,
que aqui se come o pão que o diabo amassou,
tudo que “padim” falou sobre a vida daqui,
até hoje nada vi; só se mudar pra melhor,
porque a coisa pior foi ter saído daí.

Saí daí esperando minha vida melhorar,
nunca ia adivinhar que o Rio era assim.
Mas a culpa é de “padim”, que exagerou demais,
conheço muitos casais que vivem no desespero.
Sem emprego e sem dinheiro, pra casa não voltam mais.

Mande pintar o meu quarto e arrumar minha cama,
mande lavar meu pijama que eu vestia pra dormir;
qualquer dia eu vou partir, seja do jeito que for,
quero ser agricultor, plantar milho e feijão,
só não quero comer o pão que o diabo amassou.

Vou terminar, minha mãe, pra não sofrer muito mais,
não quero ver os meus pais sofrendo com o meu sofrer,
vou parar de escrever, tá na hora de dormir,
amanhã eu vou sair cedinho pra trabalhar,
pois eu preciso ganhar dinheiro para partir.

Receba de mim um beijo e um abraço também,
não esqueça do xerém do meu querido xexéu,
avise pro “seu” Manoel pra guardar a minha enxada
e pra minha namorada, mando um beijo bem forte.
Vou viver até a morte na minha terrinha amada.

Autor: Adalberto Claudino Pereira

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