quinta-feira, 5 de março de 2009

Repentes e Repentistas (livro) - Parte 04


A Literatura de Cordel abre muitos espaços para que o poeta repentista apresente seus trabalhos, inclusive aqueles em que eles, usando de determinados recursos, tentem mostrar que são verdadeiros heróis, através de fatos impossíveis que eles afirmam ter realizado.

Mesmo não sendo verdade, as afirmativas dos poetas levam o público ao delírio por serem realmente espetaculares. Vejamos um exemplo neste trabalho de minha autoria. Trata-se de versos em sete sílabas, com o mote: Quero ver quem é que faz as coisas que eu já fiz.

I
Fiz a planta do avião pra Santos Dumont voar,
Fui à Grécia ensinar luta livre a Platão,
Comandei um pelotão numa guerra em Paris.
A nossa história não diz, mas eu prendi Barrabás,
Quero ver quem é que faz as coisas que eu já fiz.
II
Eu dei carona a Moisés, quando fugiu do Egito,
E fui eu quem deu o grito de “Independência ou Morte”.
Ninguém teve a minha sorte, por isso é que sou feliz.,
Eu fui o grande juiz no julgamento de Anás,
Quero ver quem é que faz as coisas que eu já fiz.
III
Eu dei o primeiro tiro na guerra do Paraguai,
E publiquei nos jornais que Judas traiu Jesus.
Também inventei a luz do jeito que o mundo quis.
Nas águas de um chafariz lavei os pés de Caifás.
Quero ver quem é que faz as coisas que eu já fiz.
IV
Previ a vinda de Cristo e Sua ressurreição,
Ensinei para Sansão a defesa pessoal,
Dei o retoque final na roupa da imperatriz
Recebi muito feliz o prêmio Nobel da Paz.
Quero ver quem é que faz as coisas que eu já fiz.

V
Subi na cruz e tirei de lá o Filho de Deus,
No ataque aos filisteus, usei espada e canhão.
Também venci Lampião deixando o povo feliz.
Disparei no seu nariz doze tiros mortais.
Quero ver quem é que faz as coisas que eu já fiz.
VI
As cores do arco-íris saíram dos meus pincéis,
As regras lá dos quartéis foram escritas por mim.
Quem me vê falar assim, diz que sou um infeliz,
Mas não sabe que eu quis dar moral aos generais.
Quero ver quem é que faz as coisas que eu já fiz.
VII
Também construí a funda pra Davi vencer Golias
Construí em sete dias o que ninguém faz num mês.
O presidente francês me levou para Paris
Foi então que escrevi como se promove a paz.
Quero ver quem é que faz as coisas que eu já fiz.
VIII
Plantei aquela figueira para Zaqueu ver Jesus,
Em dois minutos compus o Hino Nacional.
Frei Sardinha se deu mal comigo lá na Matriz
Só porque ele não quis reconhecer meu cartaz.
Quero ver quem é que faz as coisas que eu já fiz.
(Adalberto Claudino Pereira)

O nosso folclore é bastante rico. Ele faz parte da nossa Cultura Popular. Na Literatura de Cordel, entra em evidência o romanceiro popular nordestino. Muitos chamam o poeta repentista de “Violeiro”. Na verdade, violeiro, conforme o Dicionário da Língua Portuguesa, “é o indivíduo que fabrica ou toca violas e outros instrumentos musicais de cordas.

Eu, particularmente, prefiro usar o termo Poeta Repentista, por ser ele o indivíduo que faz versos de repente improvisado. Ele não precisa fabricar a viola. Basta apenas tocá-la. E tocá-la de forma agradável, com rimas e métricas perfeitas, dentro dos estilos que lhe forem solicitados: gemedeira, martelo miudinho, Brasil caboclo, coqueiro da Bahia, etc.

Conhecemos o bom poeta repentista, logo no repicar da viola. Depois, pelo conhecimento geral: geografia, história, ciências, etc., além de um vocabulário profundo, associado às demais qualidades. Permitam-me citar aqui, poetas extraordinários, que eu vi e ouvi cantar: José Gonçalves, Cícero Bernardes, Sebastião da Silva, Moacir Laurentino, Valdir Teles, Severino Ferreira, Manuel Xudu, José Melquíades, Reinaldo Ribeiro, Fenelon Dantas, Ivanildo Vila Nova, Severino Feitosa, Sebastião Dias e Louro Branco.

É claro que a esses, somem-se os incomparáveis e inesquecíveis Patativa do Assaré, Pinto do Monteiro e os irmãos Dimas e Otacílio Batista.

Durante a abertura do Primeiro Festival de Poetas Repentistas da Região do Araripe, realizado na cidade de Araripina, Pernambuco, os poetas repentistas Moacir Laurentino e Raimundo Borges apresentaram alguns trabalhos, que serão mostrados, em parte, para sentirmos o quanto é bela a poesia nordestina e o quanto são inteligentes os nossos poetas repentistas.

Começamos com uma sextilha, ou seja, uma espécie de poesia contendo seis estrofes. Vale salientar que a cada início do verso, o poeta seguinte tem que rimar com o último verso deixado pelo poeta anterior. Vejamos, então:

M. L. – Eu peço a cada colega que à festa comparece
Que a Deus faça um pedido e a Cristo uma prece
Pra poder cantar da forma que Araripina merece.

R. B. – Eu creio que Jesus desce da corte Celestial
Trazendo um troféu Divino para todo pessoal
E entrega na mão de um povo um prêmio individual.

M. L. – Quando chegar no final os prêmios são escolhidos
Vou pedir aos vencedores que não fiquem enaltecidos
Que ao invés de esnobarem dêem um abraço aos vencidos

R. B. – Amigos, abram os ouvidos e escutem o que a gente diz
Cada um é um soldado de lança, arma e fuzis
Defendendo a nossa pátria e honrando o nosso país.

Independente das regras impostas para as sextilhas, quero destacar algumas cantadas pelos dois poetas, as quais achei interessantes, merecendo um espaço nesse trabalho:

M. L. – Caros irmãos cantadores, o militar ou civil,
Vocês não vão pegar lança, nem sabre, nem fuzil,
Só basta ter a viola pra defender o Brasil.

R. B. – Esse festival daqui é feito dessa maneira:
Ao invés de ser no sábado, começa na sexta-feira,
Feito por nosso Normando e Adalberto Pereira.
M. L. – Ao julgamento perfeito da Comissão educada,
É bom que julgue direito com a caneta sagrada,
Para não votar nessa mesa com a cara envergonhada.

R. B. – Se for desclassificada uma dupla no Congresso,
Amanhã volte pra casa e no momento do regresso
Chegue lá no seu Estado, diga que causou sucesso.
+x+x+x+x+x+x+x+x+x+x+x+
A dupla Moacir Laurentino e Raimundo Borges também apresentaram um “Brasil Caboclo”, arrancando calorosos aplausos dos presentes. Nós também aproveitamos alguns momentos dessa apresentação. Vejamos:

M. L. – Eu felicidade peço a Jesus, o Pai Divino,
Pra o cantador nordestino, que busca mais um sucesso
Aqui, no nosso Congresso, na rica apresentação,
Que jogue a inspiração no nosso estilo barroco,
Nesse Brasil de caboclo, de Mãe Preta e Pai João
Nesse Brasil de caboclo, de Mãe Preta e Pai João.

R. B. – Brasil é terra bonita, e eu vou dar viva ao Brasil,
E abaixo do céu de anil e do Brasil que a gente habita,
Terra de ouro e xelita, que tem minério e carvão,
Que a gente arranca do chão e deixa o pilão só o ôco
Nesse Brasil de caboclo, de Mãe Preta e Pai João
Nesse Brasil de caboclo, de Mãe Preta e Pai João.

M. L. – O nosso Brasil tem fé, e é terra que eu quero vê-la,
Ver um chefe de estrela e ver outro de pajé,
Mas agora é seu José, que é da nossa região,
Que é filho do Maranhão, terra de madeira e côco,
Nesse Brasil de caboclo, de Mãe Preta e Pai João
Nesse Brasil de caboclo, de Mãe Preta e Pai João.

R. B. – José Sarney, obrigado, presidente brasileiro,
Que tem trocado o cruzeiro, fez ele modificado,
Trocou cruzeiro em cruzado, melhorou nossa nação,
Essa modificação diminuiu mais um pouco
Nesse Brasil de caboclo, de Mãe Preta e Pai João
Nesse Brasil de caboclo, de Mãe Preta e Pai João.

M. L. – O Brasil de Ibrahim e o Brasil de Andreazza
Hoje ninguém não se atrasa e não apóia gente ruim,
Foi o Brasil de Delfim, que foi o maior ladrão,
Um safado enrolão e um nojento meio louco,
Nesse Brasil de caboclo, de Mãe Preta e Pai João
Nesse Brasil de caboclo, de Mãe Preta e Pai João.

R. B. – Brasil que eu sou residente, o Brasil de homem bravo,
Foi o Brasil do escravo, do tempo de antigamente,
Brasil do homem valente que dominou a nação,
Pegou cobra na mão e matou leão a soco,
Nesse Brasil de caboclo, de Mãe Preta e Pai João
Nesse Brasil de caboclo, de Mãe Preta e Pai João.

M. L. – Brasil que me viu nascer, Brasil da douta linguagem,
O trabalho e a vantagem pra na arte aparecer,
Que se o sujeito bater no rosto do cidadão,
Aguarde na ocasião que de troca vem o troco,
Nesse Brasil de caboclo, de Mãe Preta e Pai João
Nesse Brasil de caboclo, de Mãe Preta e Pai João.

R. B. – O Brasil dos brasileiros, não é de homem maluco,
Brasil de Joaquim Nabuco e o Brasil de Negreiros,
É o Brasil dos cruzeiros que pleiteou nossa nação,
Nelson que é rei da nação, tá velho, não ficou rouco,
Nesse Brasil de caboclo, de Mãe Preta e Pai João
Nesse Brasil de caboclo, de Mãe Preta e Pai João.

M. L. – Brasil meu e de vocês, que tem as notas suaves,
Brasil de Nelson Gonçalves e o Brasil de Marinês,
O Brasil de Sérgio Reis que tomou a posição,
De Luiz, rei do baião, de Tonico e de Tinoco,
Nesse Brasil de caboclo, de Mãe Preta e Pai João
Nesse Brasil de caboclo, de Mãe Preta e Pai João.

Na mesma apresentação, Moacir Laurentino e Raimundo Borges, arrancaram os aplausos dos presentes, quando mudaram de estilo e mostraram como se canta um Galope à Beira-Mar. Vejamos algumas partes da apresentação:

M. L. – Pra variedade do nosso sertão vou ver se ainda canto a voz do sucesso,
Cantar pra os colegas que estão no Congresso, aqui na batalha da competição
Os versos na mente e o pinho na mão, de qualquer maneira, sem titubear,
Pretendo cantando um pouquinho brilhar, tirando a jazida de outra batéia,
Brilhar como estrela do céu da idéia dos dez de galope na beira do mar.

R. B. – Não imito Cristo lá na Galiléia, não imito o cisne perto da Madalena,
Mas eu canto tudo da faixa terrena mostrando os sermões que tem na idéia,
Preciso do ouro, eu quero a batéia, de toda maneira vou apresentar
Um quadro perfeito pra movimentar, mostrando pra o povo a minha cultura,
Porque no Congresso fiz a abertura nos dez de galope na beira do mar.

M. L. – Não sou o ministro da Literatura, nem sou o ministro do Planejamento,
Nem sou o vigário pra ler testamento, nem sou arquiteto pra arquitetura,
Mas sou do trabalho de poesia pura, de qualquer maneira vou apresentar
Para os colegas de outro lugar, cantar a grandeza do meu sentimento,
Arranco as raízes do meu pensamento cantando o galope na beira do mar.

R. B. – Quando eu cheguei naquele momento, eu olhei o público, entrei na cidade,
Olhei as estrelas da imensidade, namorei as nuvens lá no firmamento,
Eu senti a brisa, conquistei o vento, olhei para a lua, fiquei a flertar,
Peguei a viola, peguei a cantar, encontrei Dom Pedro cheio de amor,
Fiz esse repente com cheiro de flor nos dez de galope na beira do mar.

M. L. – Já cantei enfermo lá em Salvador, lá em Esperança e também em Campina,
Depois vim aqui pra Araripina, que é o sertão e o interior.
O clima é saudável, já não faz calor, e tem gente perfeita para apreciar,
De qualquer maneira pretendo cantar e encantar o riso de Araripina,
Que parece o riso da minha menina nos dez de galope na beira do mar.

R. B. – Vou olhando a nuvem que é passageira, contemplo a estrela na hora que brilha,
A sereia que canta por dentro da ilha, que fica olhando a orla marinha,
O vento que sopra na velha palmeira, na hora que ela pega a balançar,
A pomba alvorada que vem do pombal e eu fico contente e tudo cheio de palma,
Mostrando o segredo da boca da alma e cantando o galope na beira do mar.

M. L. – Eu quero a grandeza que não tenha charme, eu quero a beleza que vem do oceano,
Eu quero o inverno que vem de outro ano, eu quero uma curva sem ser da estrada,
Eu quero o silêncio que vem de outra calma, eu quero outra palma sem ser do lugar
Eu quero a platéia pra acariciar, eu quero o poeta que traga acalanto,
Que cante o repente da forma que eu canto em dez de galope na beira do mar.

Um comentário:

  1. hoje vi uma reportagem sobre cordeu adorei voutei no tenpo em que meu pai tinha um livrino do vicente o rei dos ladrões corri para computador achei estas historias
    adorei nunca mais eu encon um livro desse. aqui em campo grande não tem!!!!!

    juventino canpo grande MS

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