sexta-feira, 6 de março de 2009
Repentes e Repentistas (livro) - Parte 09
O Oitavão Rebatido aparece como um estilo bastante interessante, colocando os poetas repentistas frente a frente, numa peleja onde são destacados alguns ataques, mas que, no final, tudo termina muito bem entre ambos. As rimas do Oitavão Rebatido seguem o seguinte critério: A – B – A – B – C – C – C – B, sendo que o último verso diz: “No oitavão rebatido”. É um estilo cantado em sete sílabas. Vejamos um pequeno exemplo:
C. 1 - Você diz que é valente, / eu acho que é atrevido
Um sujeito indecente, / sapeca e enxerido
Você só conta vantagem, / Gosta de fazer chantagem,
Quero ver se tem coragem / No oitavão rebatido.
C. 2 – Eu sou um cara de sorte, / Pelas moças sou querido
Tenho um santo bom e forte, / Pra quem quer sou bom partido,
Sou forte, sou vencedor, / Excelente cantador
Canto a paz e canto o amor / No oitavão rebatido.
C. 1 – Quero ver se na viola / Você é douto e vivido
Se deixa de ser gabola, / Se não canta espremido,
Mostre que faz bom repente / Seja mais inteligente,
Deixe de enrolar a gente / No oitavão rebatido.
C. 2 – Sou um grande brasileiro, / Respeitador e polido,
Um cidadão verdadeiro, / Já fui até escolhido
Pra fazer comerciais, / Fiz coisas que ninguém faz,
Sou um homem de cartaz / No oitavão rebatido.
C. 1 – Para ser bom cidadão / Respeitado e querido
É preciso educação, / Pra nunca ser esquecido
Respeitar, ser respeitado, / Amando pra ser amado,
Fazer versos bem rimados / No oitavão rebatido.
C. 2 – Por este Brasil a fora / Eu sou muito conhecido,
Não vai ser você agora / A me deixar abatido,
Se eu temesse seu repente / Não me chamava de gente
Por isso é que venho quente / No oitavão rebatido.
+x+x+x+x+x+x+x+x+
Às vezes, pessoas curiosas chegam a perguntar como eu consigo fazer repentes, se eu não sou repentista, nunca peguei numa viola e nunca enfrentei desafios com poetas famosos. É realmente motivo de curiosidade. Pensando nisso, resolvi responder a essas indagações com este trabalho em sete sílabas, intitulado “É assim que meu repente aparece bem rimado”. Vejamos:
I
Os meus versos vêm do som
Da viola afinada,
Da moça desenganada,
Da doçura do bombom.
Vem da praia do Leblon,
Vem do mugido do gado,
Vem do certo e do errado,
Do passado e do presente.
É assim que meu repente
Aparece bem rimado.
II
Os meus versos vêm da lua,
Vem do céu, do infinito,
Vem do choro, vem do grito
De alguém que sente dor,
Vem da ira, vem do amor,
Do poeta inspirado,
Do sortudo e do coitado,
Do povo que ama a gente.
É assim que meu repente
Aparece bem rimado.
III
Os meus versos vêm da terra
Que cobre muitas riquezas,
Vem das horas de tristezas,
Vem do favo e vem do mel,
Vem do sal e vem do fel,
Vem do dia ensolarado,
Vem de um povo agitado
E de uma tarde quente.
É assim que meu repente
Aparece bem rimado.
IV
Os meus versos vêm do leite
Que faz queijo e coalhada,
Vem do coco e da cocada,
Vem do milho e do angu,
Vem do peba e do tatu,
Vem do vaqueiro e do gado,
Do trator e do arado,
Do adubo e da semente.
É assim que meu repente
Aparece bem rimado.
V
Os meus versos vêm das plantas,
Do cantar dos passarinhos,
Das rosas com seus espinhos,
Da sombra dos laranjais,
Das manchetes dos jornais,
Vem dos rios navegados,
Dos patrões, dos empregados,
De um povo descontente.
É assim que meu repente
Aparece bem rimado.
VI
Os meus versos vêm do Alto,
Do meu Deus Onipotente,
Daquele que está presente
Na hora que mais preciso.
Do homem que tem juízo,
Do poeta inspirado
Para cantar bem cantado
Aquilo que o povo sente.
É assim que meu repente
Aparece bem rimado.
VII
Os meus versos vêm das ondas
Dos temidos oceanos,
Vem dos meses e dos anos,
Das florestas maltratadas,
Das noites enluaradas,
Do martelo e do machado
Do camelo e do veado,
Dos cometas reluzentes.
É assim que meu repente
Aparece bem rimado.
VIII
Os meus versos vêm do vento,
Dos montes e dos vulcões,
Vem do grito dos leões,
Do céu azul, cor de anil,
Da bandeira do Brasil,
De um sorriso forçado,
Vem de um rei coroado
E da criança carente.
É assim que meu repente
Aparece bem rimado.
(Adalberto Pereira)
Aproveitando esse espaço, resolvi fazer um trabalho fazendo um paralelo entre as coisas de ontem e as de hoje. Para isso, optei pelo estilo Martelo Miudinho, tendo como tema “O passado e o presente”. Este trabalho é para dois cantadores, que serão identificados por C 1 e C 2. Vejamos como ficou:
C 1 – No passado eu vivia muito bem
Com os pés nas poeiras de Timbó, (*)
Moça velha ia para o caritó,
Se andava de bonde ou de trem
Era o tempo do tostão e do vintém,
Que comprava feijão, carne e toucinho.
Do afilhado que chamava de padrinho
O compadre da mamãe e do papai,
Tempo bom que se foi, não volta mais
Nos dez pés do martelo miudinho.
C 2 – No presente o bonde é passado
E os trens já não têm muito valor,
Transformaram todos eles em metrô,
O tostão já ficou ultrapassado,
E o vintém também já não é lembrado.
Afilhado não respeita o padrinho,
Vejo gente que mata passarinhos,
Devastando a nossa natureza,
Nossa flora já perdeu sua beleza
Nos dez pés do martelo miudinho.
C 1 – No passado o estudo era perfeito,
Se contava através da tabuada,
A cartilha do ABC era cantada,
Nosso Hino se cantava com respeito,
Com a cabeça erguida e mão no peito,
Se falava do Brasil com mais carinho;
Era o tempo do cinema e do mocinho,
Do Roy Rogers e do Johnny Mac Brown,
Super Homem era muito mais legal
Nos dez pés do martelo miudinho.
C 2 – No presente se estuda por merenda,
O aluno não é mais educado,
Não respeita quem deve ser respeitado,
Professor não tem mais quem o defenda,
Só faz greves querendo melhor renda,
São as pedras que surgem no caminho
De quem sonha com apenas um pouquinho
Do estudo que nos leva ao sucesso,
Mas só vê um futuro de regresso
Nos dez pés do martelo miudinho.
C 1 – No passado homem rico era burguês,
Calhambeque era carro de valor,
Era luxo um navio a vapor
E ouvir Gordurinha e Marinês.
Um rapaz bem vestido e cortês
Só usava tropical, tergal ou linho,
E tratava as meninas com carinho,
Namorava no coreto lá da praça,
Perguntava: como é a sua graça?
Nos dez pés do martelo miudinho.
C 2 – No presente tem muita violência
Os bandidos atacam todo dia,
Eles agem com muita ousadia,
Ninguém sabe a quem pedir clemência.
A polícia mostra a sua impotência
E nos deixa agir sempre sozinhos.
O perigo hoje é nosso vizinho
Mora junto e ataca quando quer,
Pega homem, menino e mulher
Nos dez pés do martelo miudinho.
C 1 – No passado se sentava nas calçadas,
Contemplando as estrelas cintilantes,
Se cantava as valsas elegantes,
E ouvia Gardel e Silvio Caldas.
Se contava piadas engraçadas,
Cada um demonstrava mais carinho
Era assim que viviam os vizinhos,
Muitas vezes ligavam a vitrola
Para ouvir a voz de Chico Viola
Nos dez pés do martelo miudinho.
C 2 – No presente cada um vive na sua,
É a era da tecnologia,
Onde o homem se transforma a cada dia
E já pensa em habitar a lua.
Já não lembra que Deus é quem atua
E que não vai resolver tudo sozinho,
Porque Deus tem que estar no seu caminho
Para que ele alcance o sucesso,
Pois na vida só se chega ao progresso
Nos dez pés do martelo miudinho.
C 1 - No passado a nossa seleção
Era boa e jogava dando olé,
Com Garrincha, Nilton Santos e Pelé
Levantou o troféu de campeão;
Dava show em qualquer ocasião,
Tinha o Santos de Gilmar e de Coutinho
Era um time que jogava bonitinho
Arrancando os aplausos da torcida,
Como é bom relembrar aquela vida
Nos dez pés do martelo miudinho.
C 2 – Mas agora está tudo mudado,
Tudo aquilo só vive na lembrança
Jogadores só pensam em poupança,
Jogam pouco e são mal educados.
No momento em que são contratados
Beijam a roupa do time com carinho,
Aparecem com a cara de santinho
Sem saber que os craques do passado,
Eram homens de caráter invejado
Nos dez pés do martelo miudinho.
C 1 – No passado o namoro era decente,
O rapaz respeitava a filha alheia,
Não falava nenhuma palavra feia
Porque era um rapaz inteligente.
A mãe sempre estava ali presente,
Não deixava os dois ficar sozinhos,
Pois sabia que não eram dois anjinhos
Se encontrando para fazer oração,
Muitas vezes não se vence a tentação
Nos dez pés do martelo miudinho.
(Adalberto Claudino Pereira)
(*) Timbó era um antigo lugarejo do então Distrito de Abreu e Lima, no Pernambuco, onde o autor passou parte de sua infância.
Atualmente, Abreu e Lima é uma cidade bastante progressista, deixando, desta forma, de ser Distrito de Paulista.
Quanto a Timbó, o autor não tem a mínima idéia do que pode ter acontecido com ele.
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