COMÍCIO NA ROÇA (conto)
(Adalberto Claudino Pereira)
O sítio Tamanduá estava em festa. Os preparativos para aquela noite especial haviam começado logo cedo. Anastácio, o “pau pra toda obra” trabalhava como ninguém e a sensação era tamanha que nem demonstrava o mínimo cansaço. Afinal, tudo o que acontecia naquela localidade era ele o responsável pelos serviços mais pesados. Aliás, ele já estava tão acostumado que fazia tudo aquilo com a maior naturalidade.
D. Estela Moreira, uma senhora de seus 50 anos, era o maior exemplo de fidelidade ao candidato a quem decidia apoiar. Naquele ano não seria diferente. Ela comandava tudo, desde as colocações das bandeirolas, até o jantar que seria oferecido ao candidato e sua comitiva. Sua voz autoritária fazia com que ninguém questionasse a integridade moral do pretenso Prefeito que, segundo algumas especulações, tinha algum débito com o Tribunal Regional Eleitoral.
Outro nome de respeito era o do marido de d. Estela, o ruralista Rutáceo Moreira, mais conhecido como “seu” Moreira. Ele gostava de, nos finais das tardes, reunir algumas pessoas para falar de política. Era a oportunidade que encontrava para mostrar os defeitos dos adversários e tecer grandes elogios aos políticos de sua preferência.
Todos ficaram felizes com a chegada do Doca fogueteiro. Sendo admirado por todos, ele se mostrava um tanto orgulhoso e fazia o possível para chamar a atenção com seu andar faceiro e um olhar de quem procurava conquistar as “matutinhas” dali. Tentando mostrar uma certa indiferença, ele desfilava de um lado para o outro, colocando à vista um charme que estava bem distante da sua realidade. Seu orgulho aumentava quando algumas garotas olhavam para ele e faziam comentários entre si, embora ele não soubesse o teor das conversas.
Eram cinco horas quando o dr. Moreci Nogueira, chegou àquela localidade, em companhia de sua comitiva, que totalizava dezesseis pessoas, fora os candidatos à Câmara Municipal e alguns jornalistas. Ouviram-se os primeiros fogos dando as boas-vindas aos visitantes. O Doca fogueteiro fez tudo no capricho, chegando a receber os elogios do candidato. E quem não ficaria orgulhoso ao receber de um doutor candidato palavras elogiosas? Era algo de se guardar na lembrança para o resto da vida.
D. Estela e "seu" Moreira faziam questão de acompanhar o candidato por todos os lugares, apresentando à comitiva as famílias ali residentes: - este aqui é o Carvalho! Ele tem cinco votos! Esta é o Chico Véio! Ele tem uma família grande, doutor! Esta é d. Ortença, viúva do finado Jeremias! E assim, d. Estela ia apresentando todos os moradores do sítio Tamanduá. Por sua vez, o dr. Moreci Nogueira abria um sorriso falso a cada apresentação, sempre prometendo “mundos e fundos”, sob os olhares esperançosos dos apresentados.
Era chagada a hora do jantar. A mesa estava farta com as comidas típicas da localidade, como farofa, carne de porco, cabidela, costela de boi, carne de bode, batata doce, feijão macaçar, arroz doce, cuscuz e uma gostosa caipirinha. A mesa era grande e cabia folgadamente as comidas e os convidados (o candidato e seus acompanhantes). Ao redor da mesa, encostados na parede da sala, e com um olhar de admiração, estavam as encabuladas matutinhas e as crianças barrigudas dentro das desconfortáveis roupas, especialmente escolhidas para a ocasião. Com os olhares atentos, todas acompanhavam cada colherada dos visitantes. Indispensáveis em todas as festanças da roça, os cachorros e os gatos desfilavam embaixo da mesa, passando o corpo sujo e fedorento nas pernas dos visitantes que, “delicadamente”, afastavam os intrusos com os pés, tentando disfarçar com um sorriso maroto.
Terminado o jantar,. Era hora de conversas com os eleitores, para ouvir de cada um as suas reivindicações. E isso, político sabe fazer muito bem. A atenção para com os roceiros era uma coisa de causar admiração. Tudo aquilo serviria de subsídio para seu discurso. Sempre ao lado e balançando a cabeça de forma afirmativa, d. Estela dava uma pura e evidente prova de uma invejável bajuladora. Era assim que ela agia em todas as campanhas eleitorais, quando recebia os candidatos aos mais diversos cargos eletivos. Sua atuação na política da cidade era bastante respeitada, principalmente por aqueles que lutavam pela conquista dos votos.
Oito horas da noite! Estava na hora de iniciar o comício. No palanque, esperando o candidato e sua comitiva, Chico Coió, o melhor sanfoneiro da região, tocava as músicas com letras previamente preparadas por ele mesmo, falando sobre o candidato.
De repente, o pipocar dos fogos anunciava a chegada do Dr. Moreci. As garotas da “ala feminina” agitavam as bandeirolas e gritavam em coro: NÃO TEM JEITO! NÃO TEM JEITO! MORECI É O NOSSO PREFEITO! Tudo isso sob a batuta de d. Estela, que comandava de cima do palanque.
Efigênio Cunha, o locutor oficial do Partido, orgulhosamente empunhava o microfone e incentivava os presentes com frases pré-fabricadas, como: MORECI VAI GANHAR OU NÃO VAAAAI??? MORECI É O PREFEITO OU NÃO É??? (claro que todos respondiam que sim). Finalmente, silêncio! É que, ao sinal de d. Estela, todos pararam para ouvir as esperadas palavras do candidato, esperança de um povo ainda sem muito preparo para escolher de livre e espontânea vontade, o seu candidato.
Sorridente, o Dr. Moreci Nogueira iniciou o seu discurso, prometendo eletrificação rural; apoio aos agricultores da região, com distribuição gratuita de sementes selecionadas; aquisição de tratores para o preparo da terra; mais facilidade nos empréstimos bancários, beneficiando os menos favorecidos; melhoria nas cestas básicas; rever a situação dos que precisavam se aposentar e muitas e muitas outras promessas.
A um sinal de d. Estela, os gritos de “JÁ GANHOU” explodiam como verdadeiras bombas atômicas. Era um pupa-pula, um mexe-mexe, um agarra agarra que causavam inveja aos maiores heróis da história universal. E isso se renovava à medida em que o orador pronunciava palavras que enchiam de esperanças aqueles pobres infelizes.
Terminado o comício, o postulante à Prefeitura de Guaraxiba procurou d. Estela e “seu” Moreira para ouvir a opinião de ambos sobre a sua postura diante daquela “seleta plateia”. Os elogios, como era de se esperar, foram os mais escaldantes possíveis. Concomitantemente, seguiam-se os abraços naqueles moradores mais ousados e os apertos de mãos nos mais tímidos. Era hora da partida. A missão estava cumprida.
O que ele conversou com seus assessores durante a viagem de volta para casa, fica por conta de cada leitor. Eu, de minha parte, já tirei minhas conclusões.
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